quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Suspiros

Meus sentidos se renderam ao teu perfume,
O meu corpo em tua pele se fundiu.
Nossos corpos descompostos tão impunes,
Nossas vozes ressoaram no vazio.

Tuas coxas entre as minhas se enlaçaram,
O meu braço no teu dorso comprimiu,
Os meus lábios no teu rosto desmancharam
Em ardor, em despudor, em calafrios.

O fulgor do meu deleite em fogo brando
Derramou-me por um jacto vascular,
Tuas mãos pelo lençol da nossa cama,

Tuas unhas em meus ombros a cravar;
Alcanças-te então lasciva e puritana
E deitaste ao meu lado a murmurar.

Alexandre Machado Márquez

Se

Quem dera ter-te a todo instante;
Em tese, em pele, em sintonia -
Quem dera fosse assim constante;
Em canto, em prece, em sinfonia.

Quem dera ter-te a todo tempo;
Em carne crua, em melodia -
Quem dera fosse o meu alento;
Em chuva, em sol, em ventania.

Quisera eu fosse assim tão sempre
A comoção de todo um dia.
De todo amor e sentimento,

Todo desejo de alegria.
E assim morrer se tudo fosse,
Se fosse tudo Poesia.

Alexandre Machado Márquez

Alegoria do Tempo

O tempo é inimigo da vontade,
Imune aos desejos de um mortal.
É tempo de espera e de saudade,
O que seria a morte, afinal?

O tempo vai além da eternidade,
Supera ele mesmo e o espaço.
A véspera da pressa é o fracasso,
Quisera fosse o tempo da vontade.

O tempo nos desloca com seu tempo
E vence-nos a tempo por cansaço.
O tempo é a agonia do momento,

É tempo que com o tempo faz-se escasso.
Depois do fim do tempo sobra tempo;
E tudo vira tempo em um compasso.


Alexandre Machado Márquez

Macrocefalia do Tempo

Pois mesmo que tente por tempos
O homem, de fato, não tem.
Mas quem afinal tem o tempo,
O que afinal esse tem?

O homem é seu sentimento,
Razões que somente ele tem.
Só faz derramar sofrimento -
É coisa de tempo também?

Daquilo que o tempo inexiste,
O tempo é mesmo de alguém?
Do que falarei da saudade:
É homem que sente, é tempo que sem?

Eu quero esquecer todo o tempo,
Mas contratempo não tem,
Por isso espero por todo esse tempo
Algum sentimento que dele não vem.


Alexandre Machado Márquez

Desvarios

Vaso de tanto vazio,
Cheio de aguda vazão,
Vago faminto e febril,
Sofro de vício e paixão.

Vivo meu ócio e meu cio;
Prezo os prazeres do tédio,
Preso aos pesares de um fio,
Torno o veneno um remédio.

Gozo, teor, calafrios,
Transe, suspiros e transa,
Beijo, suor e arrepios,
Choros, ausência e drama.

Zelo por meu desvario,
Rezo por minha heresia -
Parto de Amor quem partiu,
Faço de mim poesia.
Alexandre Machado Márquez

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Andarilhando

Eu estou entre o sol e a chuva;
Voo perdido entre a noite e a tarde -
É tão terna e serena essa luz,
Como é bela e tão crua, é uma arte!

Eu estou entre o cheio e o vazio;
Voo veloz entre o tudo e o nada -
Cristalina nascente dos rios,
Arvoredos de copas floradas.

Eu estou entre a terra e o espaço;
Voo perdido entre Vênus e Marte -
Nos veludos de neve macios,
Como é linda a textura, é uma arte!

Eu estou entre o crente e o ateu,
Entre a vida e a mortalidade,
Numa vela entre a luz e o breu -
Na tristeza e na felicidade.

Eu estou entre o júri e o réu -
Voo vadio entre o gozo e o enfarte;
É tão bom como um sonho sutil,
Como é vil a ventura, é uma arte!

Alexandre Machado Márquez

Paisagem

Em suma é o que direi das plumas,
Das nuances ternas; doce alvorecer.
Em brandas que purpúreas brumas
Céus lilases lentos, doce esmaecer.

Em suma é o que direi das nuvens,
Do veludo imenso, véu a enrubecer.
Luz que aurora em sol faz lúmen
E desabrolha flores, primo envaidecer.

Em suma é o que direi dos brilhos,
Da manhã lisonja de dourada cor.
Brando, o orvalho alenta os lírios,

Levitar do polén tênue de fulgor.
- Tece a primavera em risos
Os seus amados filhos plenos de primor.

Alexandre Machado Márquez

Poemeto de Carnaval

Quando os amantes se amaram
Todas as vozes cantaram
Fantasiadas de amor.

Tantos acordes soaram,
Todos os sinos tocaram,
Tudo mudava de cor.

Ruas antigas sagradas,
Toda a cidade enfeitada,
Não se lembravam da dor.

Quando, fiéis, se beijaram;
A colombina e o palhaço
Num carnaval que passou.

Alexandre Machado Márquez

Relicário

É de lembrar a doce tarde alada
Despetalando em rosais de bruma
E o sorriso da mulher amada
A quem passei noites amando em suma.

E de lembrar sua leveza nívia,
O mesmo aroma dessa tarde triste -
É teu perfume, minha rara orquídia
Que na paisagem belamente existe.

Não é possível esquecer a tarde
Na sua augusta mornidão bravia,
No horizante resplandece e arde

Até que a morte enfim lhe retalia
E outra essência pelo céu invade -
É de lembrar-te outra vez, Maria.

Alexandre Machado Márquez

Além da Terra e o Céu

Uma corrente instável
Entre ciência e mito;
O alienante purgatório
Do teatro de ser vivo.

A incerteza antiga,
Essa justiça cega!
Expiação e prova,
Escuridão da névoa.

Um nomadismo eterno -
Cosmolitas vagos!
Perdidamente presos
Nesse contexto invariável.

O que dirão os mortos,
O que dirá o espelho?
Em qual Esfinge dorme
Onde se esconde esse segredo?

Oracular cibório,
No panteão sagrado!
Uma verdade eterna
De história sem legado.

Alexandre Machado Márquez